17.1.09

O Performer, 2005


O Performer é um personagem fictício. Criei para ele 21 performances que apresento no formato texto.
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Os textos são escritos de forma que aliem características de conto, crônica, documentação ou simples descrição de performance. Assim, questões como "o perfomer existe?", "existiu?", "as performances aconteceram"?, "é tudo ficção?", "é performance?", "é documentação?", etc, são a base deste trabalho que fica entre o campo da literatura e o das artes visuais. Enquanto literatura, os textos-performance são autônomos, podem ser lidos como pequenos contos sobre a vida de um artista. Já enquanto artes visuais, as performances acontecem a cada instante que alguém as lê, na mente de quem as lê..Cada performance-texto é uma ode à falta de talento. OPerformer é um personagem que não sabe fazer cinema mas, do seu jeito, faz. Não sabe desenhar mas, do seu jeito, desenha. Não sabe pintar mas, do seu jeito, pinta. Contornando os paradigmas de cada linguagem, o Performer acredita experimentar todas as possibilidades de produzir arte. Assim como ele não sabe fazer arte contemporânea mas, do seu jeito, faz, eu,Fabio Morais, não sei fazer performance mas, escrevendo-as, faço.
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A primeira vez que o performer foi apresentado em exposição foi na Verbo de 2005, mostra de performances da Galeria Vermelho em São Paulo. Durante uma semana, a cada dia, eu mandava por e-mail o texto da performance que era impresso e colado na parede, sobreposto ao texto do dia anterior, como um lambe-lambe (imagem acima).

Nas fotografias a seguir, há imagens da exposição "O Performer, uma antologia organizada porFabio Morais", realizada no Paço das Artes, São Paulo, em 2007. Nela, elegi 12 performances que foram "plotadas" nas paredes do espaço expositivo.
Clicando aqui, leia o texto da exposição, por Daniela Castro. Há uma segunda versão do texto, publicado na Revista Tatuí, clique aqui.
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Em 2009, editei um livro-objeto com as 21 performances d'O Performer, com direito a uma performance bonus track. Abaixo, imagens desta edição.
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O Performer, 2009
livro-objeto: impressão jato de tinta e peça de xadrez (Rei)
edição de 100 exemplares
(para ver em detalhes, clique sobre a imagem)
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Esta edição foi lançada na Verbo 2009, na Galeria Vermelho. Em comemoração, já que OPerformer participou da primeira Verbo em 2005 e voltava à mostra para lançar o livro, foi feito um poster para o dia do lançamento (imagem a seguir). Clicando aqui, você pode baixar umjotapegue amigo. Depois, é só mandar imprimir o poster e usá-lo para enfeitar o lar.
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Abaixo, imagens da exposição Dois Pontos, Museu Murillo La Greca, em Recife, setembro de 2010, curadoria de Fernanda Albuquerque. Lá nas paredes, o performer performou Já que não sei fazer música..., Já que não sei fazer documentário... e Já que não sei desenhar...
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A seguir, imagens do livro O Performer na exposição Publicações de Artista, Museu da Gravura Solar do Barão, em Curitiba, 2011, curadoria de Paulo Reis e Ana Gonzales.



Na próxima imagem, O Performer na exposição Em Direto, Oficina Cultural Oswald de Andrade, 2011, São Paulo (foto de Ricardo Miyada). Clique sobre a imagem para ampliá-la.
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No início de 2011, o performer foi convidado a participar do Zine Parasita nº 9. Abaixo, a imagem de sua participação e, clicando aqui, mais informações sobre O Performer no Zine Parasita.


Algumas das performances-texto d'O Performer:
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Dentro da sala há um barulho intenso e alto. O performer entra empurrando uma gigantesca caixa acústica (destas do tamanho de uma pessoa), a coloca no centro da sala e a liga à tomada. Ao ligá-la, o barulho diminui um pouco de intensidade. O performer sai, instantes depois retorna empurrando uma segunda caixa acústica e a coloca lado a lado com a primeira. Ao ligar também a segunda à tomada o barulho da sala diminui mais um pouco. Tudo se repete com uma terceira caixa (o barulho diminui pela terceira vez), uma quarta (continua diminuindo), uma quinta (resta apenas um ruído) e, finalmente, uma sexta e última caixa que, ao ser ligada à tomada, acaba com todo o barulho e impõe o silêncio.
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Já que não sei fazer música…
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Numa película de um filme qualquer, projetado numa sala qualquer, de uma cidade qualquer, são inseridos quadros (no meio dos habituais vinte e quatro por segundo) do performer em seu dia-a-dia: tomando café, no ponto de ônibus, comprando cotonetes, lendo um livro, fritando um pastel de queijo… A mensagem subliminar é distribuída ao longo de todo o rolo do filme.
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No fim da sessão o performer está no hall do cinema, assim como quem não quer nada, comendo pipocas. A primeira pessoa que o abordar com o mais barato dos xavecos – "Não te conheço de algum lugar?" – pode escolher entre casar-se com o performer, afinal as boas relações sempre começam com xavecos baratos, ou ser fotografada e entrar como documentação ou registro de performance num futuro livro ou catálogo do artista.
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Já que não sei fazer cinema…
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O performer quer fazer um documentário, mas não tem dinheiro.
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Ele entra em contato com um cameraman, um fotógrafo, um produtor, um iluminador, um editor, um roteirista, um sonoplasta, um diretor de arte, enfim, com todo tipo de profissional necessário para formar sua equipe. A todos o performer expõe o tema de seu projeto, diz que esse é o sonho de sua vida e informa que, infelizmente, não tem um centavo e todos, se puderem, trabalharão de graça.
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Depois de bastante tempo, quando enfim consegue a equipe toda para a realização do filme (na base da amizade e da colaboração), o performer então realiza o documentário que consiste apenas no título de abertura, "Solidariedade", seguido dos letreiros finais com a função e o nome de todos os membros da equipe.
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Já que não sei fazer documentário...
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O performer sai de casa com uma câmera fotográfica, um tripé e o bolso da calça jeans cheio de giz branco. Depois de muito caminhar, pacientemente vendo e sentindo os lugares, ele enfim escolhe um (escolha essa que mistura gostos estéticos pessoais, um punhado de boassimbologias ali detectadas, o afã de documentar o momento de uma vez por todas e até mesmo um olhar para o mundo ainda tomado de ecos da noite passada).
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O
performer pára, arma o tripé, posiciona a câmera e inicia o delicado processo de enquadrar um pequeno pedaço do resto de tudo. O enquadramento resolvido e o performer pega, no bolso da calça jeans, um punhado de giz branco. Ele agora irá, conforme o enquadramento que vê no visor da câmera, riscar o contorno deste recorte do mundo.
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O processo é lento e minucioso já que esse
retângulo tão fácil e banal que se vê no visor, ao ser desenhado no real, precisa lidar com as distâncias em trezentos e sessenta graus que rodeiam e separam todas as coisas. Por exemplo: a base do retângulo a ser traçado começa no tronco de uma daquelas árvores mas, ao fim da largura do tronco, o risco continua no muro, bem lá trás, um pouco longe da árvore e, logo depois, no banco da praça ali bem na frente, continuando no conjunto daqueles prédios ao fundo, para terminar na altura do peito do rapaz que está no primeiro plano. Traçar seu desejo de bidimensionalidade e apreensão do tridimensional é um mecanismo que requer, do performer, calma e dedicação.
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Depois de uma tarde inteira de trabalho, indo e voltando ao visor inúmeras vezes para conferir a posição e o tamanho certos dos traçados, enfim o contorno do enquadramento fica pronto. O
performer recolhe suas coisas e vai embora deixando para trás as marcas de uma escolha, cheio de esperança de que nalgum momento alguém passe pelo exato ponto onde ele fincou acâmera e, num golpe de vista, enxergue surpreso o retângulo traçado, sendo assim, de alguma forma, seu cúmplice.
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Já que não sei fotografar...
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A performance dura um mês.
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O
performer estabelece um lugar qualquer, que já faça parte de seu cotidiano, como o "palco" da performance: uma rua por onde passa diariamente, uma praça ou a padaria. Na verdade, a performance acontece pelas vinte e quatro horas de cada um dos trinta dias que ela dura.
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Porém, esse momento em que o performer irá passar diariamente pelo "lugar-palco" estabelecido é como se fosse um ponto de encontro que ele marca entre sua performance e o mundo: algo simbólico.
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No primeiro dia o
performer passa todo o dia vestido de preto. No segundo, veste-se de um cinza muito escuro, quase preto. No terceiro, de um cinza um tom mais claro que o do segundo dia. No quarto, um tom mais claro que o do terceiro. No quinto, novamente, um tom mais claro que o do quarto dia. E assim, sucessivamente, durante um mês até atingir a roupa totalmente branca no último dia da performance.
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Já que não sei pintar....